segunda-feira, dezembro 06, 2010

Livro Da Semana

A Dama Negra Da Ilha Dos Escravos, de Ana Cristina Silva

Uma graça viva,
Que neles lhe mora,
Pera ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos
.

Luís Vaz de Camões, Endechas a Bárbara Escrava

Antes de um movimento chamado Nouvelle Histoire, o conhecimento da História circunscrevia-se única e exclusivamente aos grandes momentos, datas e figuras que clip_image001mudaram o nosso mundo e sociedade. A História era sempre olhada de cima, relegando para último plano as massas anónimas que a ajudaram a criar. Não se falava do “peixe miúdo”, como vivia, o que pensava, em que acreditava. Dir-se-ia que os “grandes homens” dos nossos manuais escolares foram capazes de fazer tudo sozinhos, sem precisarem da ajuda de ninguém, o que não é bem assim: estar no lugar certo na altura certa depende muito de uma série de circunstâncias do momento e, muitas vezes, lutar por uma ideia certa num mundo que ainda não a compreende e não a apoia é meio caminho andado para a exclusão e o anonimato (quase) eterno. Como dizia Álvaro de Campos, O mundo é para quem nasce para o conquistar, e não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.

No meio desta glorificação dos “grandes” muitas pequenas grandes personagens acabam por ser quase esquecidas, e só um verdadeiro rato de biblioteca e eterno apaixonado dos velhos documentos poeirentos, que já ninguém quer ler, esbarra por acidente, nestas pequeninas jóias que, muitas vezes, são elas que dão cor e sabor à história com “H” grande. De repente tudo ganha vida, porque todos nós, como é óbvio, identificamo-nos mais com o “Zé Ninguém” que limpa a nau, varre o chão ou trata da plantação do senhor, do que com o Rei, a Rainha ou até o grande cientista que mudou o mundo com o seu génio. E a história maravilhosa de D. Simoa Godinho é uma delas.

Personagem quase esquecida da nossa História, o seu papel foi, no entanto, muito importante: filha mestiça de uma família de fazendeiros, este ser humano que conhece o mundo dos negros mas já vive no mundo dos brancos, irá encantar a Lisboa do século XVI, muito cosmopolita mas, ao mesmo tempo, muito fechada. Ao casar-se com o fidalgo Luís de Almeida terá, ao longo da sua vida, muitas oportunidades para praticar o bem e fazer deste mundo um lugar melhor para se viver.

Tanto ela como o seu marido, foram donos e senhores de escravos. Porém, ao contrário de muitas famílias, tratavam os seus “servos” com respeito e dignidade, de acordo com os costumes daquele tempo. Interessaram-se pelos pobres, pelos enfermos, pelos problemas de higiene, pelo sofrimento dos outros. Além disso, a sua influência na corte irá marcar Portugal: bela, bondosa, culta, inteligente, imaculadamente limpa e doce, contrastava com as “brancas” fidalgas sujíssimas, ignorantes e cruéis. Nesta biografia imaginária, D. Simoa afirma: Sendo eu a selvagem que tinha a ousadia de me exibir entre os poderosos do reino, parecia ser ao mesmo tempo a única pessoa suficientemente educada para apreciar os requintes da civilização”.

D. Simoa foi esquecida durante muito tempo. Mas os seres de luz voltam sempre a brilhar. Aquilo que é puro e belo retorna sempre para nos dar lições de vida e de bondade.

Sem comentários: