quarta-feira, dezembro 01, 2010

E do Desassossego Fez-se Um Filme

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A vida é para nós o que concebemos dela. Para o rústico cujo campo lhe é tudo, esse campo é um império. Para o César cujo império lhe ainda é pouco, esse império é um campo. O pobre possui um império; o grande possui um campo. Na verdade, não possuímos mais que as nossas próprias sensações; nelas, pois, que não no que elas vêem, temos que fundamentar a realidade da nossa vida.

Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida - umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana. Não é o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa.

In Livro Do Desassossego

Esta estranha obra que, segundo muitos “entendidos”, só podia ter sido escrita por um Português, tem sido lida com paixão, com enfado, com fascínio, tem sido obsessiva e sistematicamente lida por sucessivas gerações de jovens e velhos. E, goste-se ou não dela, marcou o nosso país para sempre. Aliás, já não conseguimos pensar no que significa a “Alma Portuguesa” sem lermos Fernando Pessoa.

Por que motivo se chama O Livro do Desassossego? Bernardo Soares, a personagem inventada por este grande génio da Literatura Mundial, é um guarda-livros que olha atentamente o mundo. Tenta compreendê-lo, tenta compreender-se. Analisa tudo o que experiencia ou pensa. A sua mente inquieta, desassossegada, escreve e pensa compulsivamente. Bernardo Soares é um pensador, um filósofo ansioso e desejoso de conhecer a resposta para as grandes questões da Humanidade: Quem sou eu? De onde venho? Para onde vou? Que fazemos Aqui? Por que existimos? Para quê, a nossa existência?clip_image004

Na tentativa de procurar as respostas para estas questões, o realizador João Botelho decidiu transformar este “diário” num filme. E, como ele próprio afirmou numa entrevista, é um livro que dá para fazer 50 filmes diferentes, ou um filme de cem horas… Eu fiz duas horas e aproveitei três indicações fundamentais de Fernando Pessoa, que estão escritas no livro. Uma que tem a ver com luz, em que ele diz que «a luz que ilumina a cara dos santos deve ser a mesma que ilumina os sapatos (ou as polainas) das pessoas normais». Deu-me uma ideia enorme, porque eu gosto muito da luz e das sombras”.

Sendo um realizador orgulhoso do seu país e da sua História, João Botelho interessa-se sobretudo por autores da nossa nação: Agustina Bessa-Luís, Almeida Garrett, e agora Bernardo Soares. Através deles, podemos entender quem somos nós, Portugueses, e que papel o futuro nos reserva. E, acima de tudo, o cinema, tal como a literatura, é uma celebração da vida: O cinema de que eu gosto é um cinema de celebração. Isto está a ser uma experiência notável para mim porque, de repente, as pessoas regressam ao cinema, às salas normais, vestem-se para ir ao cinema, encontram uma celebração, pensam um bocadinho, falam umas com as outras.

Provocador como sempre foi, João Botelho não quis que o seu filme fosse parar aos centros comerciais: Eu não podia pegar num texto destes e nos meus actores que o dizem tão bem, e colocá-lo num sítio onde se come e bebe, se joga, se trocam telefonemas. Acho que é um insulto ao próprio texto. O cinema passou a ser uma coisa descartável. Mesmo quando se gosta, em cinco segundos diz-se ‘é giro’ e vamos à vida. Por isso, quem estiver interessado em ver este último capítulo de um dos melhores realizadores de cinema do nosso país, terá que ir, goste ou não, a salas construídas de propósito para este fim: salas onde se celebra o teatro e a sétima arte. Que vá jantar primeiro num restaurante ou na sua casa.

E não. Não há pipocas.

Filme do Desassossego (trailer 13)

Imagens retiradas de 12

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