Estreou no dia 24 passado, nos cinemas portugueses, um dos filmes mais perturbantes e polémicos do ano: District 9, realizado por Neill Blomkamp e produzido por Peter Jackson, o famoso realizador da trilogia O Senhor dos Anéis. E para quem está à espera de ver uma história vulgar de ETs, só por puro entretenimento e para desanuviar a cabecita, é bom mesmo que pense duas vezes em comprar o bilhetinho. É que a boa ficção-científica nunca serviu para entreter. A boa ficção-científica obriga-nos a questionar a nossa sociedade, obriga-nos a colocar questões incómodas que, muitas vezes, preferimos evitar na vida real. Daí que estas mesmas sejam, actualmente, o petisco preferido das “artes menores”. Não é por acaso que, presentemente, os escritores mais “incómodos” sejam os escritores do género da Fantasia e do género da Ficção-Científica. Graças ao “Politicamente Correcto”, as pessoas deixaram de falar naquilo que é realmente importante: Quem somos? De onde Vimos? Para onde Vamos? A literatura e o Cinema de hoje servem para vender, não servem para pôr as multidões a pensar.
Mas falemos deste filme: uma nave espacial aterra no nosso planeta. Os alienígenas que a pilotaram andaram à deriva no espaço e vêem cansados, esfomeados e assustados. Inicialmente, nós, humanos, temos muita peninha deles. Tentamos ajudá-los e até oferecemos um “cantinho” para eles morarem. O problema é que eles não se vão embora. O problema é que eles crescem em número. O problema é que eles passam a “estar a mais”. E passam a ser “os indesejados”, “os outros”, “os gafanhotos”. O “cantinho” passa a ser um guetto, um “bairro social”, uma espécie de Cova da Moura na África do Sul. E voltamos à descriminação racial: há espaços para “Humans only”, há espaço para “Aliens only”. Terrestres e extra-terrestres são separados. E o segundo grupo é explorado por máfias, por gangs que não hesitam em tirar proveito da sua miséria e do seu desespero.
Ora bem: isto não vos faz lembrar nada? Não vos soa familiar? Onde é que vocês já ouviram isto?
Toda a realização deste filme foi feita segundo as regras dos documentários: as câmaras andam em movimento, há testemunhos das duas espécies, notícias na televisão, imagens retiradas “em directo”. Como se este “nono districto” fosse uma província do Afeganistão ou uma reportagem da CNN sobre a prisão de Guantánamo. Neill Blomkamp criou uma atmosfera de realismo que, longe de agradar ao público, só nos perturba ainda mais. Pior ainda, a imagem que mostra dos seres humanos não é nada positiva: nós, os humanos, somos uma espécie egoísta, incapaz de comunicar, de entender a diferença. Somos incapazes de partilhar o nosso espaço com “os outros” (não é precisamente isto que já fazemos com os restantes animais deste planeta?). Queremos tudo e pouco ou nada damos em troca. Mas também sejamos honestos: se nós não conseguimos sequer tolerar a cultura e a cor dos habitantes dos países vizinhos, como é que alguma vez na vida iremos tolerar a diferença de um grupo de alienígenas?
Terminamos esta crítica com um convite: dêem uma espreitadela ao absolutamente extraordinário site oficial deste filme (http://www.d-9.com/ ). Poderão entrar como “gafanhotos” ou como “humanos”!
Trailer (legendado em Português)
3 comentários:
parece ser mt fixe!
Já vi e gostei imenso! Realmente é um filme bem diferente daquele que a maior parte das pessoas estará á espera. Concordo quando dizes:"A boa ficção-científica obriga-nos a questionar a nossa sociedade, obriga-nos a colocar questões incómodas (...)" É verdade e este filme mexe com todas as nossas ideias pré concebidas. Fiquei muito curiosa com o que virá "a seguir". Andreia
Curiosa a localização: Soweto, África do Sul. Há 2 semanas deu um belíssimo documentário francês sobre o apartheid e o Nelson Mandela.
Não vi o filme, mas penso que roça a temática. Fica o comentário
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