Hoje, vou
contar-vos uma história da minha família: quando a minha mãe nasceu, toda a
gente ficou espantada com o facto de ela ser tão loura. É que no Alentejo, no
tempo de Salazar, não era comum haver crianças de cabelo dourado e, por isso
mesmo, elas faziam sempre sensação. Sim, elas existiam no nosso país, mas era
mais para o norte de Portugal, o sul era uma região de gente mais pequenina e mais
trigueira. Pois bem: minha avó conta que, sempre que ela ia de férias para uma
terra do centro ou sul, toda a gente perguntava se ela tinha adotado “uma das
austríacas”. Ninguém conseguia compreender como é que um casal tão moreno tinha
uma menina tão loura. Só podia ter sido adotada, é claro!
Tudo isto
vem a propósito do nosso livro da semana, O país das laranjas, de
Rosário Alçada Araújo. Embora estes dois irmãos sejam personagens fictícias,
muitas das peripécias desta narrativa são reais. Como a própria autora assume na secção dos
“Agradecimentos”, este foi um livro que, embora de ficção, se apoiou em
testemunhos verdadeiros. E foi com base em inúmeras pesquisas, testemunhos
e entrevistas, que este país das laranjas foi criado.
Estamos,
portanto, a falar de um romance histórico cuja ação teve lugar no Portugal do
século XX. Martha, personagem fictícia, é separada da família e do irmão para
ir viver temporariamente em Portugal. Áustria, o seu país natal, está
totalmente devastado pela guerra, e a família inteira está a passar fome. Com a
ajuda da Cáritas, ela será acolhida numa família extremamente abastada, e
viverá anos felizes, apesar das imensas saudades da sua família. No entanto,
chegará o momento em que ela terá de partir. Partirá feliz? Adaptar-se-á a uma
Áustria que já não conhece?
Contado
pelos olhos de uma criança amada, a imagem de Portugal é a imagem de uma
família acolhedora, boa, cristã, cheia de compaixão. Mas não deixa de ser um
país genuíno: as 5500 crianças austríacas que foram acolhidas voltaram para a
sua terra cheias de histórias e vivências bonitas para contar aos seus. Pelos
vistos, a experiência foi boa, houve muito amor e muita dedicação. Esta
história serve para mostrar que, em tempos difíceis, é sempre possível fazermos
algo para ajudar os mais necessitados. E esperemos que as crianças do século
XXI, vindas de terras também devastadas pela guerra, consigam encontrar em
Portugal o acolhimento caloroso que as crianças austríacas mereceram, no século
XX.
Esperemos
que a História se repita.
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