quarta-feira, maio 24, 2023

Livro(s) da Semana: Orlando, Virginia Woolf e Alice no País das maravilhas, Lewis Carroll.

 

Se olharmos só de relance, parece que estes dois grandes clássicos da Literatura Mundial não podiam ser mais diferentes um do outro: no 1º caso, temos a história bizarra de um homem imortal que acorda no corpo de uma mulher; no 2º caso, assistimos às aventuras de uma menina que persegue um coelho com um relógio e, como consequência, vai parar a um reino mágico. Mais ainda, Alice no país das maravilhas parece ser um livro para crianças e, na verdade, nada mais é do uma iniciação ritualística a uma série de crenças ligadas a duas sociedades esotéricas: A sociedade Rosacruz e a Teosofia. E estas são as conclusões a que chegamos SÓ de olharmos de relance.

Na verdade, estamos a lidar com duas obras-primas da literatura inglesa que não podiam ser mais emblemáticas do mal-estar do século XIX inglês: tanto Orlando como Alice focam a questão da Realidade VS Fantasia. Numa época em que a Ciência estourava em todos os departamentos – Biologia, Psicologia, Arqueologia, Geologia, Medicina, Química, etc. – a realidade simples e prática da “Velha Sociedade” estava em cacos. O mundo da Astronomia e da Física tinham sofrido abalos gigantescos como, por exemplo, a descoberta da teoria da relatividade, de Einstein, em 1905. No entanto – e isto é fascinante! – há muitas passagens da obra de Lewis Carroll que parecem já apontar para essas conceções do espaço e do tempo, apesar de Alice ter sido publicada 40 anos antes de Einstein escrever os seus ensaios!!

Orlando é outro episódio da literatura mundial bastante interessante: escrito com o objetivo de satirizar o género biográfico – estava na moda toda a gente famosa publicar a história da sua vida – Woolf foi buscar inspiração à vida atribulada da sua grande amiga e amante Vita Sackville-West. Aliás, segundo a própria autora deste livro, Orlando é esta mulher fabulosa. E é aqui que as coisas se tornam interessantes: por detrás dos relatos – para a época – “picantes” desta personagem-camaleão, há também alusões à angústia do Tempo que, segundo o poeta Baudelaire, nada mais era do que um “momento fugidio”. Segundo os modernistas do século XIX, se não fosse o chão e a segurança do passado, o presente enlouquecer-nos-ia. Porque tudo é vago, fugidio, passageiro, tudo muda e morre. E, de facto, Orlando muda. Mas não morre. Depois de levar a sua metade da vida masculina “sempre atrasado”, sempre sem tempo, Orlando acorda no corpo de uma mulher que parece encontrar finalmente a paz. Há quem diga mesmo que este livro pondera a possibilidade da existência de universos paralelos: algures, existe alguém igual a nós, mas esse outro “nós” é do sexo oposto. Se calhar, o que nós vimos não foi uma transformação, mas sim, uma espreitadela para o “outro lado do espelho”.

A equipa da biblioteca aconselha os leitores a lerem estes dois livros um a seguir ao outro. E saquem de um caderno de apontamentos e de uma caneta. Vocês irão ficar espantados com a quantidade de pontos em comum que as duas histórias focam. Mas não se percam nestes dois labirintos narrativos: há sempre um chocolate quente à espera de vocês, neste mundo material.


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