segunda-feira, fevereiro 21, 2022

Livro da semana - Os sítios, Licínia Quitério

 

Com tuas mãos falantes é que me anunciavas

o piar das andorinhas e dizias o desenho

do relógio de sol. Como se eu entendesse

As tuas viagens nos passos em redor da sala.

Foi preciso ver as asas saindo dos teus dedos

e a sombra da haste no declínio do dia.

Nessa hora os teus passos fecharam a viagem.

(…)

 

E é assim que começa o poema 7 da página 14. Até chegarmos a este momento do livro, já o nosso pensamento está a voar para outras dimensões e outros mundos, e um ser que tem pássaros a sair dos seus dedos já nos soa a um gesto tão normal como regar uma planta ou levar os filhos à escola. Porque este é o mundo de Licínia Quitério: um mundo onde as ações mágicas e paranormais transformam a mesquinhez e marasmo do nosso mundinho controlado por computadores, bancos e relógios. Porque este é o poder da Poesia: o Poder da Metamorfose.

E que me perdoem os mais jovens, mas raramente a boa poesia sai dos seus corações. É preciso viver, experienciar, amar, sofrer, desiludir-se, aprender, conhecer os homens, as coisas, as árvores. A juventude também tem a sua própria poeria, sim, mas aquela que nitidamente nos esmaga; aquela que nos obriga a pousar um livro porque o que lemos é tão extraordinário; aquela que nos faz recordar de um eco distante, mas familiar; essa vem das almas já maduras, já saciadas, já em paz. Um pouco feridas, um pouco desapontadas, um pouco cínicas, sem dúvida. Mas sábias.

Poucos conhecem Licínia.

Este anonimato não irá durar muito.

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