É, provavelmente, um dos livros mais inesperados e mais
bonitos deste escritor. Aliás, uma das características mais fabulosas de
Saramago é a sua capacidade de nunca escrever a mesma história. A sua imaginação
é, de facto, prodigiosa, e tem o dom de surpreender o leitor.
A história é muito simples: um invisível e comum funcionário
dos Arquivos de Registo Civil sente-se fascinado com as histórias dos nomes das
pessoas que vai encontrando. Quem são ou foram elas? Foram felizes, foram amadas,
casaram-se, cumpriram os seus desejos e sonhos? Ora, numa das suas pesquisas,
ele esbarra no nome de uma mulher, e descobre que não sabe nada dela. A partir
daí, começará uma busca incessante, quase detetivesca, até encontrá-la, pois
ele deseja ver o seu rosto e falar com ela.
Já tínhamos afirmado que a imaginação de José Saramago é prodigiosa. Com efeito, só um génio é que consegue pegar numa atividade mundana e burocrática, e transformá-la quase numa história de detetives. Por outro lado, este escritor possui uma Fé inabalável na espécie humana, mais particularmente naquele ser que hoje é desprezadamente conhecido pelo nome de normie: as suas personagens raramente são heróis carismáticos, celebridades, figuras históricas, artistas geniais (a personagem de Scarlatti, no Memorial do Convento, é uma dessas exceções). São quase sempre pessoas “comuns”, iguais a todos nós, que não parecem ter nada de especial. Gente perdida nas roldanas trituradoras do mundo e que, mesmo assim, conseguem transformar as suas vidas em romances que transformam a vida de todos à sua volta. Por isso mesmo, o leitor sente imediata empatia por esta gente imaginária. Afinal, são como eu, pensam como eu, agem como eu. E eu também seria capaz de fazer o mesmo. É esta a Fé inabalável de Saramago: cada ser humano importa, cada ser humano tem um mundo para oferecer ao mundo, todos nós somos importantes, ninguém é indispensável.
Deslumbrante, inesperado, comovente, genial. A ler com prazer
e atenção.
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