Olvidado Rei Gudú, de Ana María Matute
O século XIX corria de vento em popa, quando um naturalista francês chamado Henri Mouhot estava no Cambodja a caçar borboletas para a sua colecção. Reza a lenda que tropeçou num pedregulho enrolado nas lianas da estranha e exótica selva onde residia temporariamente e, para seu espanto total, o tal pedregulho era a escultura de uma gigantesca face. Depois de muita planta e raiz arrancada, deu com uma porta de pedra e entrou no reino riquíssimo, belíssimo antes próspero mas agora esquecido de Angkor, pertencente a uma civilização que hoje se sabe ter o nome de Império Khmer, e que durou séculos e séculos, até as guerras com os reinos vizinhos, a seca e a fome transformaram este paraíso na terra num paraíso de pedra abandonado, apenas habitada por alguns monges budistas.
Esta história é, de facto, muito bonita mas a lenda é apenas uma lenda: o primeiro homem europeu a escrever relatos sobre este povo foi um padre capuchinho português, de nome António da Madalena. Além disso, o império Khmer nunca caiu no esquecimento do povo do Cambodja. Podemos, apesar de tudo, dar bastante crédito a Henri Mouhot: foi ele que, deslumbrado com a sua “descoberta”, deu-a a conhecer ao mundo e fez tudo por tudo para angariar dinheiro para a restauração deste outrora gigantesco império.
Quando começamos a ler este genial romance que vos propomos, não podemos deixar de nos lembrar deste e de muitos outros reinos esquecidos e “ressuscitados” pela Arqueologia: é que a história deste livro narra precisamente uma nação que desapareceu virtualmente do mapa. Mas o seu desaparecimento não se deve à fome, às guerras, às catástrofes naturais. Aconteceu quando o seu rei derramou uma lágrima, e a profecia era clara: se o rei Gudú chorar, o reino de Olar passará ao esquecimento.
Como diz a sinopse desta obra-prima vinda da terra de “nuestros hermanos”, Olvidado Rei Gudú tem uma grande componente de fabulação e fantasia e narra o nascimento e expansão do Reino de Olar. Uma multidão de personagens, de aventuras e a própria paisagem absorvem o leitor numa trama em que tudo intervém: a ânsia de poder, o desconhecido, o medo, o prazer da conquista, o amor e a ternura. Como símbolos do inalcançável, o misterioso Norte, a inóspita estepe a Este, e o Sul, rico e opulento, limitarão a expansão de um Reino em cujo intrigante futuro intervirão a astúcia de uma menina do Sul, a magia de um velho feiticeiro e as regras do jogo de uma criatura do Subsolo.
Acima de tudo, este livro aborda dois grandes temas: a desumanidade que existe em todos nós, quando somos incapazes de amar e de sentir compaixão, e a inutilidade das nossas vidas: com efeito, tudo será esquecido, um dia. Por isso mesmo, não vale a pena pensarmos que somos “especiais”, que o mundo é incapaz de viver sem nós, não vale a pena entrarmos em guerrinhas estúpidas com o vizinho do lado, os amigos, os colegas de trabalho ou com a nossa família. Afinal, os cemitérios deste planeta estão cheios de homens e mulheres que se acharam senhores do universo e que agora são nada, estão votados ao esquecimento. São hoje um amontoado de ossos que não recebem uma flor há dezenas de anos.
Túmulos Olvidados.
Já li este livro. Mas dá-me vontade de o ler outra vez. O problema é que parece ter desaparecido das livrarias. Vou ter de o encomendar.
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